Artigo originalmente publicado no site do INTERACT-Bio
Em fevereiro de 2020, por ocasião da realização do evento BIO2020: Perspectivas Brasileiras para o Marco Pós-2020 da Biodiversidade, estiveram reunidos na cidade de São Paulo atores subnacionais e locais – representantes de municípios, estados, regiões metropolitanas, reservas da biosfera, setor privado e sociedade civil – com o propósito de sistematizar perspectivas de atores brasileiros quanto a pontos-chave para o Marco Pós- 2020 da Biodiversidade.
O ano de 2020 é decisivo para a biodiversidade no mundo. O atual Plano Estratégico para Biodiversidade 2011-2020 e as respectivas Metas de Aichi concluem seu ciclo. Um novo Marco Global da Biodiversidade será adotado durante a realização da 15ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), a COP15, em outubro, na China. Espera-se um acordo ambicioso, unindo definitivamente pessoas e natureza. Que se integre com o Acordo de Paris, com a Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e com todos os outros acordos multilaterais para o meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável, passando a funcionar conjuntamente para enfrentar alguns dos principais desafios globais e reforçar a Visão 2050 vinculada à CDB: que “a biodiversidade esteja valorizada, conservada e restaurada sabiamente até o ano de 2050, mantendo os serviços ecossistêmicos em prol de um planeta saudável e oferecendo seus benefícios essenciais para todas as pessoas”, garantindo o futuro da humanidade desde já – responsabilidade compartilhada por todos.
Em 2006, a COP8, presidida pelo Brasil, abrigou o primeiro momento de reunião de autoridades subnacionais e locais reconhecido pelos governos signatários da CDB. No ano seguinte, o governo da cidade de Curitiba sediou a primeira reunião oficial da Convenção sobre Cidades e Biodiversidade, que estabeleceu a Parceria Global das Autoridades Subnacionais e Locais pela Biodiversidade. Naquele mesmo ano, o ICLEI, em parceria com a IUCN, lançou o programa Local Action for Biodiversity (LAB), destacando a importância das ações locais pela biodiversidade.
Durante a COP10 da CDB foi adotada a Decisão X/22, endossando o Plano de Ação da Convenção da Biodiversidade que estimulou e orientou a elaboração de planos de ação por governos subnacionais, municípios e outras instâncias locais, propondo a integração de ações territoriais de modo mais alinhado às estratégias nacionais. Esse movimento está presente na elaboração da Estratégia e Plano de Ação Nacional do Brasil (EPANB) e se reflete em documentos como os Planos de Ação dos estados de Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e de vários municípios Brasileiros. O Estado de São Paulo foi pioneiro na elaboração da sua Estratégia e Plano de Ação para a Biodiversidade, com um colegiado estabelecido meses depois da realização da COP10 (a Comissão Paulista de Biodiversidade).
O governo brasileiro publicou seu Plano de Ação para a Biodiversidade em 2017, destacando a participação de diversos atores em sua elaboração – incluindo entes
subnacionais, regionais e locais, academia, sociedade civil e setor empresarial – por meio dos
Diálogos pela Biodiversidade, processo iniciado antes mesmo da realização da COP10 da CDB.
Apesar disso, o pleno potencial destes entes para constituir políticas públicas e ações nacionais tem sido pouco aproveitado. A integração das políticas locais e regionais e mecanismos de incentivo para seu avanço tem potencial para acelerar e aprofundar a capacidade do Brasil de cumprir e avançar nas metas pela biodiversidade no Marco Pós- 2020.
No caminho de preparação para a COP15, ao menos quatro momentos reuniram os atores subnacionais e locais brasileiros ao longo de 2019 para debater e encaminhar estas questões:
• The Nature Of Cities Summit (TNOC), realizado no mês de junho em Paris, França, que produziu o roteiro “Vivendo em Harmonia com a Natureza – Fortalecendo o momento para o Marco da Biodiversidade Pós-2020”;
• No Vale de Aburrá, Medellin, Colômbia, em julho de 2019, autoridades de áreas metropolitanas, governos locais e subnacionais de 12 países e parceiros elaboraram a Declaração das Áreas Metropolitanas para o Marco Global da Biodiversidade pós- 2020;
• O 3º Congresso de Áreas Protegidas da América Latina e Caribe (CAPLAC), realizado em outubro de 2019, em Lima, Peru, produziu a Declaração do papel dos governos locais para a conservação da biodiversidade;
• Em novembro realizou-se, no Rio de Janeiro, Brasil, o workshop Abordagens locais integradas para a governança da restauração de ecossistemas, cujo objetivo foi demonstrar a contribuição dos atores locais, setor privado e atores não estatais em iniciativas de restauração no Brasil.
Em todos estes momentos, a tônica dominante clama por maior participação, reconhecimento e incentivo a ações dos governos subnacionais e locais e demais atores na agenda da biodiversidade, em parceria com as Partes. O Brasil conta com liderança significativa em seus governos subnacionais e locais para a implementação de estratégias concretas nessa direção. Para tanto, é imprescindível investir em gestão de dados e conhecimento, mobilização de recursos, além de integração e capacitação.
Assim, sob a forte intenção de ação, solicitamos considerar os seguintes pontos no novo Marco Pós-2020 da Biodiversidade:
• Manter referências e diretrizes para integração vertical das políticas públicas de biodiversidade.
• Adotar uma nova decisão específica a partir do legado do Plano de Ação da Decisão X/22.
• Oferecer diretrizes adicionais para mecanismos técnicos e financeiros de apoio e ações complementares em escala local e subnacional.
• Utilizar plataformas multiníveis e multilaterais permanentes para reporte das iniciativas dos governos subnacionais e cidades, reforçando a adesão e a divulgação de ações por meio do CitieswithNature e RegionswithNature.
• Incluir contribuições subnacionais e locais às novas estratégias, planos de ação e relatórios nacionais que serão produzidos a partir do novo marco global.
• Destacar o papel fundamental das áreas protegidas e das OMECs (Outras Medidas Efetivas de Conservação Baseadas em Área) na implementação do tripé de sustentação da CDB – conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade.
• Garantir meios para promoção do desenvolvimento sustentável como uma das estratégias centrais para implementação da CDB.
• Estimular o aprofundamento na integração entre agendas globais ambientais e de desenvolvimento.
Além de reforçar a integração multinível no Marco Pós-2020, recomendamos fortemente que os países integrantes da Convenção revisem o Plano de ação Adotado pela Decisão X/22 e aprimorem o documento, voltando a oferecer mecanismo específico para o engajamento dos governos subnacionais e locais. Estamos dispostos a adotar metas ambiciosas.
A fim de tangibilizar a discussão no contexto brasileiro, trabalhamos cinco temáticas específicas para a conservação da biodiversidade, promovendo a participação de uma pluralidade de vozes dos mais diversos setores de atuação, e cuja síntese segue abaixo. Estados Brasileiros representados pelas entidades presentes estão dispostos a colaborar com outros países, gerando cooperação no desenho de processos integradores semelhantes.
1 – Restauração de Ecossistemas e Recomposição da Vegetação Nativa
A restauração de ecossistemas e a recomposição da vegetação devem ser fomentadas em sintonia com estratégias – previstas ou a serem contempladas na legislação ambiental – para compatibilizar produção agrícola, desenvolvimento territorial e biodiversidade com geração de renda nos territórios. Deve-se incentivar o envolvimento de diferentes níveis de governo, iniciativa privada, academia e organizações da sociedade civil.
Mecanismos para viabilização: promover formação, capacitação e qualificação do corpo técnico; desenvolver políticas públicas de incentivo; promover inclusão de agricultores familiares e comunidades tradicionais; incentivar o uso sustentável da biodiversidade; incentivar ações em áreas que promovam a conectividade da paisagem; implementar e gerir sistemas de dados monitoráveis quantitativa e qualitativamente; promover ações voltadas a ampliação de tecnologias e pesquisa científica voltada à restauração; definir linhas de apoio técnico e financeiro específicas para governos estaduais e municipais, incluindo a indução de mudanças no mercado; cooperação com os setores produtivos; governança integrada dos atores subnacionais e locais e produção de reportes periódicos com base na informação compartilhada.
2 – Áreas Protegidas, Uso do Solo e Conectividade
As Unidades de Conservação (UCs) e outros mecanismos eficazes de conservação baseadas em áreas (OMECs) são estratégicos para manutenção da biodiversidade e serviços ecossistêmicos. A conectividade entre elas por meio de distintas medidas/tipologias como APPs e Reservas Legais, restauração, áreas privadas, territórios de povos e comunidades tradicionais, parques urbanos e lineares, praças, arborização e infraestrutura verde em geral é fundamental para garantir o fluxo gênico e o equilíbrio ecossistêmico, bem como serviços ecossistêmicos para as presentes e as futuras gerações.
Mecanismos para viabilização: fortalecer a criação, gestão e efetividade das UCs e OMECs, inclusive as de iniciativa privada; fortalecer os instrumentos de planejamento do território, reforçando a integração entre os diferentes níveis de governo, inclusive no que tange o ordenamento territorial; aprimorar instrumentos financeiros e de compensação e pagamentos por serviços ambientais; criar oportunidades para geração de renda; criar mecanismos e oportunidades que garantam a participação efetiva dos povos tradicionais e demais grupos sociais.
3 – Produção e Consumo Sustentáveis
A valorização de cadeias produtivas sustentáveis e o fomento a sistemas de informação que integrem dados gerados pelos diversos territórios são ambições desejáveis para a atuação dos entes subnacionais e locais. Como também contemplar critérios favoráveis ou minimamente neutros em termos de impacto à biodiversidade nos processos de licenciamento.
Mecanismos para viabilização: gerar listas de espécies impactadas; gerar dados sobre a cadeia de produção agrícola, extrativista, mineral e industrial e certificações; demonstrar oportunidades e potenciais ganhos da produção sustentável; criar processos simplificados de certificação; criar bancos de dados abertos para divulgação de informações e controle social; disponibilizar incentivos socioeconômicos e linhas de crédito para fomentar a transição das cadeias de produção convencional para produção sustentável; promover engajamento de empresas e pessoas por meio de incentivos governamentais para otimizar padrões de produção e consumo, conscientização de consumidores e promoção de logística reversa.
4 – Economia Circular e Soluções Baseadas na Natureza
A promoção da economia circular valoriza o conhecimento local e tradicional, promove inclusão social e gera oportunidades. A ampla divulgação e a incorporação de medidas de Soluções baseadas na Natureza (SbN) são estratégias de enfrentamento a diferentes desafios, como segurança alimentar e hídrica, emergência climática e redução de riscos de desastre.
Mecanismos para viabilização: promover políticas de incentivos fiscais e de cooperação multissetorial para a economia circular; estimular o diálogo entre os diversos setores; revisar
regulamentações e demais instrumentos normativos; fomentar a bioeconomia com a criação de demandas, organização de cooperativas, desenvolvimento de produtos e cadeias de valor e análises de especificidades regionais e de comercialização; criar linhas de incentivo para pesquisa e desenvolvimento.
5 – Educação Ambiental e Sensibilização
É preciso promover a reconexão da sociedade com a biodiversidade. A educação ambiental, plural e transversal, deve ser ferramenta estruturante das soluções para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Incentivar a formação cidadã para incidência nas políticas públicas. Garantir equidade e protagonismo às comunidades com a valorização do conhecimento tradicional. Ampliar o conhecimento da relação entre consumo e os impactos para a biodiversidade.
Mecanismos para viabilização: incentivar a formação de lideranças; fomentar a participação social e a ciência cidadã; desenvolver modelos de monitoramento diversificados e integrados para os diversos setores, inclusive na educação formal; democratizar tecnologias inovadoras e potencializar espaços participativos.
Assinam este documento:
Marcos Penido Secretário Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo
Patrícia Iglecias Diretora-Presidente da CETESB
Rodrigo Levkovicz Diretor Executivo da Fundação Florestal
Renata Gómez Regions4
Elisabeth Chouraki Post 2020 Biodiversity Framework. EU Support
Rodrigo Perpétuo Secretário-Executivo do ICLEI América do Sul
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